14 de dez. de 2007

Meu amigo.


Fred era desconformado com uma coisa bastante particular: seus amigos. Sempre havia algo que ele não gostava, suportava, tolerava. Sempre. E esse sempre ficou bastante tempo fazendo dele parte de algo que passou a não querer: ser parte do ciclo de amigos dos seus amigos.

Então abandonou seus amigos. Não demorou para sua casa ser invadida pelo silêncio que perfura o lar dos sem amigos. Mas esse silêncio não perdurou. E logo Fred falava consigo mesmo, ele queria ouvir o que ele tinha para dizer. Obviamente, isso não foi suficiente, pois seus botões não respondiam.


Foi então que surgiu o Roberto - Numa tarde vazia e fria, vale ressaltar - Gente fina, cara legal, do jeito que o Fred queria como amigo. E os dois se deram bem, bem até demais. E logo se tornaram inseparáveis.

Seis meses depois, no dia 23, morre Fred. Na certidão de óbito, havia detalhes técnicos do ataque fulminante do coração. Alguns ex-amigos de Fred estiveram presentes no enterro. Chovia fino. Ninguém viu ali o tal de Roberto que o Fred tanto falou. Fred que nada mais era do que o amigo imaginário de Roberto.

11 de dez. de 2007

Quem procura, acha.


Ela encontrou Carlos saindo da aula de Direito Civil e perguntou sobre seu amigo. Ele, prontamente, apesar de pego de supetão, respondeu em seguida.
- Beto era assim mesmo: sem graça, sem sal, sem vontade e sem dinheiro. E o pior, o que ele tinha de muito, era muito mal. Era muito chato, muito sonolento e muito, mas muito mesmo, sem vontade.
- Vontade de quê?
- De tudo.
- ...
- Bom, ele não tinha vontade nem de deitar com ela, nem de beijá-la, nem... Nem de nada.
O que eu soube depois foi que ela se virou e saiu chorando. Carlos, sem saber quem era ela, apenas ficou pensando se o jogo seria televisionado à noite depois da novela.



18 de jun. de 2007

Tommy Lee Rowla II – A ida.


Depois de tentar o teatro, ainda bastante abatido, Tommy Lee Rowla chega à cidade grande. Ainda era noite quando da janela do ônibus ele pôde observar os encantos da cidade que brilhava em letreiros luminosos e janelas acessas em arranha-céus. Com pouco dinheiro, ou melhor, muito dinheiro pouco1, ele pôs a mochila nas costas2 e começou a andar. Nesse gastar desnecessário de chinelo batido, ele cansou, se encostou na marquise de um edifício residencial suburbano e cochilou3 até que os primeiros raios do sol vindouro começaram a incomodá-lo.

De pé, correu atrás do que fazer. Não achou nada. Melhor, achou boné velho no chão, mas isso não importa muito. Enfim, nesse contexto de cidadão errante ele vê uma placa pintada artesanalmente no tapume de um shopping em construção, a placa carrega os dizeres: “precisa-se de pintor de placa”. Ele aceitou, falou com um bigodudo mal humorado, que mostrou onde ele iria começar seus afazeres.

Num canto da construção ele sentou-se num banco de madeira4. Do lado direito, várias tábuas5 bem cordadas, prontas para virar placa. À esquerda algumas latas de tinta vermelha e um pincel gasto. O bigodudo o olhou e apenas precisou dizer uma única vez as ordens para o recém contratado Tommy Lee Rowla. “Escreva em todas essas placas o seguinte: Precisa-se de pintor de placa”.

Segundos depois, um momento de indagação preenchia seu ser, Tommy Lee Rowla ficou a pensar: estaria ele participando da sua demissão? Quem pintou a primeira placa? Seriam os deuses astronautas? E nisso, voltou à realidade, privado de devaneios pôs-se a trabalhar. A vida real não permite ensaios e nem pintores preguiçosos.


1 – Para ser exato, oito notas de um real e três moedas de vinte e cinco centavos.

2 – Dele, obviamente. Um auto-burro-de-carga.

3 – Antes, cagou. Descobriu que não se deve confiar no pastel á la bus station.

4 – Carma?

5 - Para ser exato, mais uma vez, 23 tábuas.




11 de jun. de 2007

Felipe e uma garrafa de vinho


Felipe, quase sempre cego as reluzentes passagens da vida, decidiu abrir o vinho que estava na geladeira há quase um ano. Sentou-se no tapete da sala, sozinho. Não feliz, muito menos triste. Apenas ele mesmo e suas contemplações. E pois a falar com seus botões:

“Sentou-se ao meu lado. Olhei-o com ar de superioridade, como sempre fiz. Mas naquele dia algo estava diferente, eu sabia. Ele com aquela bermuda jeans ao meu lado - Coitado - pensava eu sem saber o que iria descobrir.
Foi quando ele abriu aquele maldito estojo de óculos desgastado e de dentro tirou uma caneta amarela e roxa, esbugalhei meus olhos, algo partiu meu coração naquele momento. Dentro ainda vi uma borracha velha e bastante gasta. Senti meu coração ser espetado por algo comoventemente cortante. Maltido! - disse eu várias vezes em silêncio profundo e agonizante.
Ele sabe como ser feliz, ele e aquela maldita vida ordinária que levava.
Descobri que senti inveja. Descobri que o coitado ali era eu.”

Felipe tomou outro gole. Deixou a taça no canto. E não falou mais a noite toda.






2 de jun. de 2007

Marina e Fabio, Fabio e Marina.



Para Marina ele nunca falava exatamente o que ela queria ouvir.

Para ele Marina estava sempre distante.

Fabio sempre inominável, Marina um nome complexo demais.

Marina não gostava de mostrá-lo como se sentia, sempre fria.

Os dois se viam diretamente diferentes.

Fabio mostrava-se demais, de tão quente, queimou-se.

Nunca brigavam por motivos sérios, o oposto quase sempre.

Eram inversamente proporcionais.

Fabio e Marina conviviam no limiar do relacionamento líquido e certo.

E assim nas brigas Marina pedia para Fabio terminar se assim quisesse.

Marina sabia que o Fabio nunca o queria.

Mas um dia o sol nasce virado, Fabio o quis e Marina nunca mais foi a mesma.




29 de mai. de 2007

Ele disse.



Deitado, ainda olhando o breu do teto naquele quarto escuro, outrora apenas movido pelo som do ventilador, ele disse:

- Acho que não falo de mim com tanta naturalidade, não como gostaria, não como imaginam. Eu acho a superexposição do ser algo ruim, mas como havia te dito: "eu sou quase aquilo que sempre evitei". Tento ser assim para no final não ser apenas cover de mim mesmo. É inevitável não me machucar sempre que me vejo nas linhas que escrevo. Não se expor é uma virtude, admiro isso em você, parabéns. Eu...bom, eu sou apenas humano demais: "Se eu soubesse antes o que sei agora, erraria tudo exatamente igual.”

Então dormiu e não pensou mais.






21 de mai. de 2007

A caixinha dela


E então ela pegou tudo o que ele havia dado naquele dia e colocou numa caixinha de papelão. Parecia uma caixa de sapato, se não fosse por um cadeado plástico cor-de-rosa que prendia a tampa. E tudo que era dele e dela estava ali, tudo que ele a havia dado estava ali, até o pobre suspiro outrora dele estava ali. Ela disse “obrigada”, pisou na cama para alcançar o alto do seu guarda roupa e lá deixou a caixinha, por entre antigos itens empoeirados. Ele voltou para casa vazio de novo. Procurando desesperadamente por uma caixinha, até que descobre que nunca guardou algo de ninguém numa caixinha empoeirado no alto de um guarda roupas. Vai ver que o erro é ele.

15 de mai. de 2007

Rebeca Macaca.



Macaco quando muito pula, quer chumbo”. Ouvi de Olavo Carvalho certa vez. Não que a frase seja oriunda do mesmo, não que o Olavo esteja sempre certo, mas ele tinha suas razões, assim como Oswald de Andrade ao dizer que o “O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus”.

Rebeca era assim, não apenas como o Brasil, mas como o macaco saltitante também. A garota não parava (nem pairava) um segundo. O mundo era dela, o qual abraça com suas pernas1. Todo dia era dia de carnaval, para ela, claro. A garota aprendeu que não precisava de nada nem de ninguém, só esqueceu que tudo o que aprendeu se não era mentira era mentira2.

E Rebeca pulava de galho em galho, sempre dando adeus. Pulava feliz num ramo, via outro melhor e tchau. Sistematicamente. Um dia Rebeca cansou (ou, passou dos 25 anos) e foi descansar no galho mais seguro do bosque do eterno carnaval. O galho disse adeus e pulou em outra macaca3. Rebeca caiu triste. Já sem forças para pular de galho em galho (ou, nenhum galho mais a agüentava), ao léu, disposta na relva, desprovida de amparo e alento. Levou chumbo4 de um caçador que embaixo da árvore cochilava. Pois bem, meus amigos, um outro já diria, “a vida é uma piada, quem riu é porque não entendeu”.


  1. E o que fica entre elas.
  2. E vice-versa.
  3. Realidade em traje surreal.
  4. Sempre é época de caça às Rebecas.

2 de mai. de 2007

Paula Paradoxal


A história, por definição, nunca é paradoxal. A gente que não entendeu alguma coisa. Verdade meus caros, paradoxal mesmo, como o próprio sentido intrínseco da palavra. Longe de mim ser verborrágico ou desbravador do pseudo-intelectualismo. Acontece que as coisas mais simples me surpreendem, no mundo onde nada mais é surpresa.

Trocando as palavras por um exemplo real, me lembro de Paula. Quem precisava sempre de alguém no pé. Lembra do Carlão? O atleta nas horas vagas, de físico atraente, funcionário público e carismático? Pois Paula o dispensou, mesmo o coitado lambendo o chão por onde ela anda. E depois dele veio outra dispensa. Alguém Aqui lembra o Edu? Professor universitário, inteligente, simpático e muito bondoso? Pois esse foi rejeitado pela Paula também. Outro que gostava mais dela, do que da própria encarnação. Quem então agradaria a Paula? Essa perguntava sempre esteve presente nas rodas de bate papo entre os amigos.

Surge Pedro, que apesar do nome bíblico, de santo não tinha nada. Para Pedro, era um suplicio não bater na Paula todo dia. Só não chegava as vias de fato porque tinha medo de ir preso (de novo). Pedro não travava a Paula bem, isso era notório, mas Paula o escolheu. Estão juntos até hoje. Paula está grávida e vão se casar em outubro. Pedro diz “fazer o quê?” Já Paula se diz muito feliz. E eu descobri que não existe paradoxo.





25 de abr. de 2007

O macaco tornou o macaco obsoleto.


De macaco em macaco, em galho em galho, atrás sabe-se lá do quê, o “homem”1 foi evoluindo na base do “cada macaco no seu galho”. Certa vez, um macaco mais malandro, que de tanto apanhar2 descobriu que jogar pedra no macaco conservador era uma forma de vencer tais punhos cerrados da sociedade (e do macaco que o batia). A pedra quebrou o galho dele3 e tornou o punho obsoleto. Mas sabe como é malandro, não sabendo administrar sua descoberta usou-a forçadamente, gerando um caos no planeta dos macacos. Todo macaco minguado se achou no direito de meter pedra na cabeça de neguinho.

Os macacos velhos4, eleitos diretamente, se reuniram e pensaram, pensaram e – voilà – criaram a lança. Trazendo ordem e tornando a pedra obsoleta. Não demorou muito, mas uns macacos mais antenados, de olhos puxados, descobriram que uma lança de metal seria mais forte. Deu-se a desgraça. Os macacos inventaram a lâmina de metal, conseqüentemente a espada, e teve macaco-ninja5 matando à rodo, melhor, à espadada. Com a lança obsoleta, os macacos velhos tiveram que queimar a pestana. Em apenas três dias uma invenção ultimate, a pólvora. A espada ficou obsoleta naquele instante.

A ordem imaginada deu lugar ao verdadeiro caos6, bomba e tiro em tudo que é macaco. Macaco morto de tapa nem existe mais, só o morto à chumbo mesmo. Um verdadeiro inferno, o império do medo. Macaco vivo só macaco que não sai do seu galho. Nesse meio tempo, uns macacos mais vanguardistas7 inventam a bomba atômica. Com medo de morrer de bala perdida8, lançaram a bomba atômica no meio da macacada. Pronto, a bomba atômica tornou o macaco obsoleto.


1. E a mulher também.
2. Redundância.
3. Não literalmente, até porque malandro não tem galho.
4. Aqueles que não botam a mão em cumbuca.
5. Tem tartaruga também, eu sei.
6. Nessa época surgem os hippies.
7. Essa palavra não é, necessariamente, um elogio.
8. Qualquer semelhança com a cidade maravilhosa não é coincidência.




20 de abr. de 2007

Menino Azul



O menino azul

Corre menino azul, corre em direção ao mar, espera aparecer o sul. Corre menino sem porteiras, esconde-se nas frestas das olheiras, imagina o que te esconde o angu. Corre ó menino sem estribeiras, sobe e desce escadas, ladeiras e fronteiras, faz o que te faz azul. Corre sem precedentes o menino azul, de dia ave Maria, de noite sonos de tu.


O menino azul II

Ele sonhava com alguma outra coisa. Queria ser motorista de ônibus. Imagina? Acreditava que poderia ficar o dia todo dirigindo e conhecendo a cidade, tudo isso talvez porque tinha aquela coisa de criança de achar que todo lugar ficava longe, ou porque queria algo mais divertido do que carrinhos ou bicicletas. Depois queria ser jogador de futebol, depois inventor de jogos eletrônicos. Terminou virando alfabeto, agora pode escrever o que sonhava.

9 de abr. de 2007

Pedro, Paulo e o Sol.


Paulo Emílio e Pedro Tostenio são vizinhos do bairro Bela Vista do Sul à Esquerda, dentro do grande município de Santa Trindade Celeste, porém distante do centro. Enfim, Paulo e Pedro são dois que mais parecem um1. Além de aposentados, são especialistas em usufruir de todo o tempo do mundo.

No auge dos 71 anos de idade2 Pedro e Paulo3 vivem a impugnar um ao outro, não importa o tema do debate. Apesar dos cabelos brancos que remetem à experiência e sabedoria conquistada ao longo dos anos, os dois são apenas faladores incondicionais de temas sem nenhuma importância para eles, muito menos então, para a humanidade4.

Certo dia, certo não, ontem mesmo. Pedro e Paulo, vizinhos de muro, falam no que falam, até que Pedro diz “O Sol hoje está ensurdecedor”. Paulo, de supetão devolve, “Não é ensurdecedor não, seu burro”. Pedro, leva a mão à orelha e grita “HEIN?”. A discussão deles não tem fim.

  1. Matemática da vida.
  2. Os dois possuem a mesma idade mental.
  3. A ordem dos vizinhos não altera o resultado.
  4. Que eles mesmo fazem parte. Seria retórica?

2 de abr. de 2007

Tino Vlaudek, publicitário.

(ADVERTÊNCIA: texto grande pode encher o saco.)


Publicitário. Sim, Tino é mais um representante dessa profissão decadente. Tino acorda todo dia pensando na reunião de pauta. “Qual a desculpa para a campanha estar tão atrasada?”. Tino pensa mais em se salvar do que salvar a agência. “A culpa é do Diretor de Arte”, repete sempre. Entre os duzentos pares de tênis, tino escolhe sempre o mais colorido para aparecer (e parecer) diferente na reunião.

Tino, criativo, reclama sempre dos prazos, diz que precisa de tempo para florir suas idéias. “O atendimento não consegue mais um dia? Porra, é sempre assim?”. Tino escuta sempre um NÃO do atendimento. Às nove horas (ou dez, ou onze...) Tino retira os brinquedos de cima do teclado e começa a pensar, pensar e pensar (pensar em algo que ganhe prêmio, mesmo que não funcione). “Será que eu já vi isso antes? Acho que não...” se ilude sempre, afinal é referência e não chupada. Mas não pode pensar muito, ele tem hora para ser criativo. Deadline. Sim, como ele costuma dizer.

Tino odeia Briefing mal passado (bife mal passado também) e briga sempre com atendimento. “Porra, mas você não conseguiu um test drive no novo carro?” ou “Porra, ele quer a marca maior?” ou ainda “Porra, eu sei que é absorvente, mas no campo público-alvo você deixa sempre em branco”. Criativo e atendimento são como gato e rato, não, melhor, como uma final entre Brasil e Argentina. O criativo, Brasil, sempre moleque, diferente, relaxado, cheio de jinga e malícias. O atendimento, Argentina. Bravo, forte, duro, objetivo e sem frescura.

Tino não tem vida social e come muita pizza na agência (fora dela também) tarde da noite. Fica até tarde criando (idéias e cabelos brancos, mas nenhum animal). Tino, conhece seus amigos pelo msn, onde, 70% ele nunca viu pessoalmente. Tino, o homem-ego. Fica sensível quando o Diretor de Criação põe o dedo na sua idéia. “Vai tirar o macaco? Mas é uma paródia de King Kong!”. Tino acha que o Diretor de Arte é seu escudeiro, nunca vê como dupla (por outro lado, o Diretor de Arte o vê como um saco, asqueroso, megalomaníaco etc.). Tino acha natural trabalhar 12 horas por dia sem hora extra, isso não existe em publicidade. Seria como um jogador cobrar pelos dribles extras que faz em campo.

Tino adora fazer analogia com futebol (todo publicitário brasileiro gosta, mas não entende nada). Tino usa óculos de aro grosso, cabelo modernoso, calça jeans, tênis e camiseta (mesmo com 45 anos). Tino adora uma gracinha, seu forte é o humor nas peças (o atendimento odeia isso, quer sentimentos pois sabe que o cliente aprova com mais facilidade). “O cliente pediu para colocar a filha dele?...” Tino nunca está conformado.

Tino vive rodeado de amigos de todos os sexos (todos mesmo), coisa do meio. E a pesar de sempre confundido com gay (principalmente pela família) Tino é apenas um hetero problemático que tem, ops, tinha namorada. Há três dias recebeu um e-mail dela acabando. “Não sei por que”, se ilude. Tino vai ao bar com os amigos para falar de publicidade (ele usa duas cadeiras, uma para ele e outra para o ego), mesmo quando diz (mente) que não gosta de falar de trabalho. Sua (ex) namorada odiava isso.

Tino adora as premiações. Quando ganha o discurso é o mesmo: “trabalhamos para o cliente, o sucesso veio de uma equipe criativa”. Odeia quando um “amigo” ganha prêmio. Tem sempre o sorriso amarelo para dizer “Parabéns”. Publicitário não tem amigo publicitário, um tá sempre falando mal do trabalho do outro, mesmo que não admitam isso publicamente, o fato é incontestável. Tino não assiste programa de TV, assiste o intervalo comercial. O mesmo vale para revista, rádio, outdoor etc. Tino ganha pouco, tá, não é tão pouco, mas é pouco. Em compensação, ganha muito trabalho. Tino se diz diferente do estereotipo de publicitário e tenta ser o mais diferente deles. Por isso mesmo é um publicitário. Pobre Tino.



26 de mar. de 2007

Tommy Lee Rowlla.


Tommy Lee Rowlla começou sua carreira pelo começo, e não é redundância. Passava o dia sentado na bilheteria do Teatro da pequena cidade, a única coisa que separava suas nádegas suadas da dura madeira trabalhada era uma almofada carcomida e sem cor. Uma noite chuvosa, chovia muito em Borborema naquela época do ano1, um dos atores da peça quebrou a perna (literalmente) em cima da hora, para o chilique do diretor efeminado2, que chorava abraçado ao seu Bichon à Poil Frisé3. O faxineiro, mais homem do que todos ali, não pôde deixar de ouvir o choro e com a sabedoria de um monge tibetano dos anos 40 soltou: “Tommy, o rapaz da bilheteria se parece muito com esse ator que se lascou”. Num misto de purpurina e glitter uma idéia brota da cabeça do diretor: “Quero ele aqui a gora! Só faltam 10 minutos para o início da peça e ele vai entrar4”.


Já no palco, Tommy Lee Rowlla sentia que essa era a chance da sua vida. Ele faria um papel secundário, mas não importa. O diretor pediu para Tommy improvisar um pouco e deixar o resto com o elenco que tentaria contornar as brechas no diálogo. Deu-se no que deu: um verdadeiro caos. Em apenas 15 minutos de apresentação, a peça pseudo-intelectual que tratava dos problemas de pobreza dos países sem água potável na África contemporânea, virou uma verdadeira comédia. Tommy Lee Rowlla achando que o feio é bonito, desembestou a falar para o delírio da platéia que caiu em flatulência de tanto rir e gritava em uníssono: “Tommy Lee Rowlla! Tommy Lee Rowlla!5.


Depois do fiasco, Tommy Lee tentou a vida de ator, foi fazer um teste num filme porno-chachada, mas foi sumariamente demitido por não bater em mulher. Confessou com olhos úmidos que vinha do teatro infantil de Borborema e esse tipo de coisa não faria. Até hoje o faxineiro do teatro se pergunta como alguém nascido em Borborema tem o nome de Tommy Lee Rowlla6.



  1. Não que isso importe, mas...
  2. Mais efeminado do que diretor.
  3. Cão “efeminado”, mais cão do que “efeminado”.
  4. Sem maldade.
  5. O faxineiro, orgulhoso do seu amigo, já havia espalhado o nome dele por todo teatro.
  6. Sendo Borborema, uma cidade onde há apenas 1 TV para cada 60 habitantes, melhor não saber.

PS - A culpa dessas notas de rodapé é da influência do Millôr...




22 de mar. de 2007

Zé e a tecnologia SMS


Foi preso no início da madrugada de hoje, no município de Santíssima Trindade, na zona oeste do leste, o pedreiro identificado apenas como Zé, acusado de esfaquear a mulher no início da tarde de ontem na residência onde morava.

Armado com uma faca, o pedreiro atacou a esposa, identificada apenas como Jú. Vizinhos escutaram os gritos e foram até a casa, mas o assassino já havia fugido. O sogro1 diz apenas ter ouvido a mulher gritar “Corre Tonhão!”.

Amigos de ofício do pedreiro2 apenas afirmam que naquele dia as obras foram suspensas e Zé, feliz da vida, mandou uma mensagem de celular para a esposa dizendo que voltaria mais cedo. Neste mesmo dia, Jú (por razões óbvias) havia deixado o celular desligado.

1. Também vizinho.

2. Agora, também assassino.

PS.: Não passa de uma fábula moderna mal contada...

19 de mar. de 2007

Às moscas


Era um churrasco daqueles de domingo Brasil. Bem típico, carne semi-crua ou (depois de um litro de qualquer bebida espirituosa ingerida pelo churrasqueiro) carne tostada, calor, bebidas, música de domingo Brasil (não é difícil imaginar qual seja tal gênero musical, basta dar uma reboladinha, não é?), mais bebida e moscas. Sim, mosca aos milhares.

E as moscas tentavam dominar tudo, sem organização bélica, mas com uma força de vontade de dar inveja a qualquer brasileiro, que por alguma razão desconhecida neste planeta, se orgulha da alcunha de “sou brasileiro e não desisto nunca1”. Bom, o certo é que não adiantava nada contra o exército voador negro. Haviam tentado de tudo, desde porrada até um acordo. Alguém colocou cerveja e um PF no canto, mas elas não acharam o acordo interessante, e assim como a esquerda costumava lutar contra o FMI, as moscas “companheiras” continuavam sua luta para ficar com o melhor do churrasco.

Uma senhora, já no meio da tarde teve uma idéia que fez jus a sua idade (somada a três ou quatro latinhas de cerveja). Usou um desinfetante para limpar a mesa onde era feita a refeição. Apoiada pela voz surda do povo ali presente, que idéia melhor não tinha, ela limpou meticulosamente toda a mesa. O cheiro de pinheiro artificial impregnou as narinas de todos e as moscas se foram. Por um breve instante: alegria. Mas segundos depois, com a mesa limpa, as moscas voltaram em maior número. Imagino eu, que lá como cá, as moscas preferem os lugares limpos. Os tempos são outros, meu amigo, e as moscas também.


1. O capeta já separou uma cadeira para o publicitário que tais palavras profanou, digo, elaborou.