18 de jun. de 2007

Tommy Lee Rowla II – A ida.


Depois de tentar o teatro, ainda bastante abatido, Tommy Lee Rowla chega à cidade grande. Ainda era noite quando da janela do ônibus ele pôde observar os encantos da cidade que brilhava em letreiros luminosos e janelas acessas em arranha-céus. Com pouco dinheiro, ou melhor, muito dinheiro pouco1, ele pôs a mochila nas costas2 e começou a andar. Nesse gastar desnecessário de chinelo batido, ele cansou, se encostou na marquise de um edifício residencial suburbano e cochilou3 até que os primeiros raios do sol vindouro começaram a incomodá-lo.

De pé, correu atrás do que fazer. Não achou nada. Melhor, achou boné velho no chão, mas isso não importa muito. Enfim, nesse contexto de cidadão errante ele vê uma placa pintada artesanalmente no tapume de um shopping em construção, a placa carrega os dizeres: “precisa-se de pintor de placa”. Ele aceitou, falou com um bigodudo mal humorado, que mostrou onde ele iria começar seus afazeres.

Num canto da construção ele sentou-se num banco de madeira4. Do lado direito, várias tábuas5 bem cordadas, prontas para virar placa. À esquerda algumas latas de tinta vermelha e um pincel gasto. O bigodudo o olhou e apenas precisou dizer uma única vez as ordens para o recém contratado Tommy Lee Rowla. “Escreva em todas essas placas o seguinte: Precisa-se de pintor de placa”.

Segundos depois, um momento de indagação preenchia seu ser, Tommy Lee Rowla ficou a pensar: estaria ele participando da sua demissão? Quem pintou a primeira placa? Seriam os deuses astronautas? E nisso, voltou à realidade, privado de devaneios pôs-se a trabalhar. A vida real não permite ensaios e nem pintores preguiçosos.


1 – Para ser exato, oito notas de um real e três moedas de vinte e cinco centavos.

2 – Dele, obviamente. Um auto-burro-de-carga.

3 – Antes, cagou. Descobriu que não se deve confiar no pastel á la bus station.

4 – Carma?

5 - Para ser exato, mais uma vez, 23 tábuas.




11 de jun. de 2007

Felipe e uma garrafa de vinho


Felipe, quase sempre cego as reluzentes passagens da vida, decidiu abrir o vinho que estava na geladeira há quase um ano. Sentou-se no tapete da sala, sozinho. Não feliz, muito menos triste. Apenas ele mesmo e suas contemplações. E pois a falar com seus botões:

“Sentou-se ao meu lado. Olhei-o com ar de superioridade, como sempre fiz. Mas naquele dia algo estava diferente, eu sabia. Ele com aquela bermuda jeans ao meu lado - Coitado - pensava eu sem saber o que iria descobrir.
Foi quando ele abriu aquele maldito estojo de óculos desgastado e de dentro tirou uma caneta amarela e roxa, esbugalhei meus olhos, algo partiu meu coração naquele momento. Dentro ainda vi uma borracha velha e bastante gasta. Senti meu coração ser espetado por algo comoventemente cortante. Maltido! - disse eu várias vezes em silêncio profundo e agonizante.
Ele sabe como ser feliz, ele e aquela maldita vida ordinária que levava.
Descobri que senti inveja. Descobri que o coitado ali era eu.”

Felipe tomou outro gole. Deixou a taça no canto. E não falou mais a noite toda.






2 de jun. de 2007

Marina e Fabio, Fabio e Marina.



Para Marina ele nunca falava exatamente o que ela queria ouvir.

Para ele Marina estava sempre distante.

Fabio sempre inominável, Marina um nome complexo demais.

Marina não gostava de mostrá-lo como se sentia, sempre fria.

Os dois se viam diretamente diferentes.

Fabio mostrava-se demais, de tão quente, queimou-se.

Nunca brigavam por motivos sérios, o oposto quase sempre.

Eram inversamente proporcionais.

Fabio e Marina conviviam no limiar do relacionamento líquido e certo.

E assim nas brigas Marina pedia para Fabio terminar se assim quisesse.

Marina sabia que o Fabio nunca o queria.

Mas um dia o sol nasce virado, Fabio o quis e Marina nunca mais foi a mesma.