15 de out. de 2008

Zé Tostão na televisão.


Conjunto Bela Vista do Bom Jesus. De manhã cedinho. Por um acaso Zé Tostão é parado na rua precariamente pavimentada do seu, não menos precário, bairro. Uma equipe de jornalismo o aborda justamente quando saia da padaria. Pés descalços, bermuda surrada, camisa de um deputado estadual e segurando uma sacola de papel com seis pães quentes, ele leva cinco segundos para entender o que se passa. Uma bela repórter pergunta se ele pode dar um breve depoimento sobre a situação em que se encontra. Zé Tostão sorri. Depois da pergunta feita ele solta: “O governo não ajuda em nada, a situação aqui ta preta minha filha. Eu não tenho nada, não tenho nada”. Depois do depoimento, a equipe segue para terminar sua reportagem em outro local.
Pois bem, uma semana depois o Conjunto Bela Vista do Bom Jesus é tomado por uma enchente, chuvas torrenciais se encarregam de gerar o caos. São casas desabando, gente se acidentando, àrvores levadas pela correnteza. Um inferno(1). Durante a ação dos bombeiros uma equipe televisiva chega para cobrir os acontecimentos. Perto da equipe estava o Zé Tostão, e não é que por uma dessas coincidências da vida(2) eles pedem o depoimento dele. Que solta ao microfone: “O Governo não ajuda em nada, a situação ta preta meu filho. Perdi tudo que tinha, tudo!”.
Alto Branco do Sul, bairro nobre. Noite. Sentado no confortável sofá tabaco(3) José Prata assiste o noticiário local e novamente vê o depoimento do Zé Tostão. Vira-se para sua esposa e comenta elegantemente: “viu querida? Esses pobres são uns indecisos, por isso o Brasil não evolui”.


1. Inferno aquático
2. Sem querer querendo.
3. Tabaco cor, certo? Seu pobre.


6 de out. de 2008

Ele, poucas palavras e depois o silêncio.


Escrito no convite tinha o horário da festa. Ele chegou cinco minutos depois, quando na sala do luxuoso apartamento do Gerente Comercial via-se pessoas sorrindo, bebendo e brindando. Brindando, bebendo e sorrindo(1). E assim a festa ia, e ele, no ritmo dela. Noite adentro, bebida a fora. Ele só foi convidado por ser vizinho do anfitrião, pessoa que ele mal conhecia, melhor, não conhecia nada além do nome. Na festa, basicamente funcionários da empresa do anfitrião. Ele, nem aí, afinal, comida e bebida de primeira já o bastava.
Certa altura da noite, todo mundo indiretamente apresentado pelo teor alcoólico dos copos que insistentemente e incessantemente circulavam, ele chega perto do anfitrião(2) que naquele exato instante estava cercado por cinco pessoas e manda em voz alta:

- Cara, que festa... parabéns, festão, festão mesmo.

O anfitrião, homem ponderado, moderado e reservado, sorri amarelamente de volta, sem responder nada. Ele, que não sabe onde fica o freio social, continua em voz alta:

- Mas, aqui entre nós... Na boa, amanhã tu vai ligar reclamando desse pessoal do bufê, né não? Cara, só tem Pepsi aqui.

Silêncio total. Como num filme, até a música parou depois do comentário dele. Todos se entreolharam sem graça, exceto por um estagiário que naquele momento, entrou debaixo da mesa para segurar a gargalhada. Do anfitrião, apenas a serenidade de quem agradece a deus por não portar uma .38 no lugar do smartphone.
Bom, dizem que essa festa ainda rendeu muitos comentários nos corredores do setor comercial da multinacional, a rádio peão então, já aumentou em escalas dantescas. Na versão da Zita do cafezinho, até socos e polícia perfumam a estória. Hoje o anfitrião, que mora em outra residência, foi promovido a diretor regional da Pepsi. E ele, o vizinho(3), aprendeu uma lição: nunca mais misturar refrigerante e uísque.


1.Necessariamente sem ordem.
2.Essa altura, já era um dos seus melhores amigos.
3.Ele que não lembra da festa.