8 de fev. de 2010

Zé Pastel não merecia tanta felicidade

Não, Zé Pastel não merecia tanta felicidade. Tanto que, ao se deparar com tamanha alegria, Zé Pastel veio a falecer numa noite de quarta-feira, logo após receber a melhor notícia da sua vida. O pobre coração surrado, sofrido e varrido, não aguentou tamanha felicidade. Zé Pastel, que na verdade chamava-se José Mariano Pereira Mota da Silva, ganhou a alcunha de Pastel, por ser ele, o mais conhecido vendedor de pastel da feira central daquela cidade. José do Pastel logo virou Zé Pastel. Nome que carregou durante seus 50 anos de profissão à óleo fervente. Além da massa de farinha de trigo frita, Zé Pastel também era conhecido por ser torcedor fervoroso do time da sua cidade, o Pelota Três Cores F. C.

Zé Pastel nunca teve nada, apesar de trabalhar arduamente todos os dias. Zé nunca conseguiu a casa própria. Não conseguiu ter família, pois não casou. Além de ser esteticamente desfavorecido, ou seja, fraco de feição, Zé era verdadeiramente pobre, vulgo Zé Ninguém(1). Vivia numa pequena barraca alugada numa semi-favela(2). Onde dormia tarde da noite preparando a massa e os recheios da sua iguaria, para na manhã seguinte, antes mesmo do sol brilhar, empurrar seu carrinho de ferro pesado até a feira. E assim foi pela vida toda: muito trabalho, pouco retorno.

O arrecadado quase nunca deixava sobrar bastante, o que sobrava, era apenas o pouco que ele investia em felicidade, ou seja, duas lapadas de cachaça antes de ir ver o jogo do seu time do coração. Seu time, durante os mais de setenta anos que Zé acompanhou, não conseguiu um mísero título de campeão de qualquer coisa, uma eterna tristeza. Zé Pastel era gozado todo dia seguinte ao futebol, pois seu time quase sempre perdia. Um infortúnio constante naquela pífia vida de vendedor de pastel.

Numa destas quarta-feira de futebol, tradicional no país do esporte bretão, o time do Zé Pastel precisava apenas de um empate para se classificar à quarta divisão do futebol nacional. A maior conquista daquele brioso time em toda sua glória de existência. E no estádio estava Zé Pastel, com a desatualizada camisa do time, pano velho de guerra que sempre vestia como se ali fosse o manto sagrado do deus do futebol. Num jogo chato e sem gols, 5 mil pessoas vibraram quando o árbitro apontou para o centro do gramado e apitou o final do jogo. Entre eles estava Zé Pastel, que chorava copiosamente, se perdia em soluços. Olhos vermelhos, gritos eufóricos. De joelho, entre tantos que vibravam, ninguém viu quando Zé Pastel, acometido por uma dor no tórax, levou a mão ao peito, se ajoelhou e morreu dizendo suas últimas palavras: “Eu não mereço tanta felicidade”.  

1 – Zé Pastel.
2 – Ou semi-bairro.