3 de fev. de 2010

Na Calçada de Dona Branquinha ou como as coisas não são.

Era noite, era quente. Na calçada de Dona Branquinha, Magda passa e encontra a amiga Marisa perdida no tempo e espaço. E perdida estava admirando, paciente, as estrelas que não mudam de lugar(1). Apesar do peso da sacola com os mantimentos da semana, Magda resolve ir até o outro lado da rua e questionar a amiga por onde anda os pensamentos.

- Marisa, mulher, que cara é essa?
- De trouxa – responde com olhos d´água.
- Conte pra sua amiga, vá... - Magda larga a bolsa na calçada e se aproxima da colega.
- Vi Carlão saindo do motel.

Um instante infinito de segundo paira em silêncio entre as duas, exceto pelo som da vassoura de Dona Clarinha, que há sessenta anos varre a calçada na mesma hora, todo dia. Os olhos de Marisa focam o chão e deixa escapar uma lágrima. Os olhos de Magda congelam e crescem rubros frente à notícia. Magda tenta achar o prumo, mas só encontra a revolta.

- Como era essa mulher? - em alto tom, pergunta Magda, indignada.
- Não consegui ver direito – suspira – estava nervosa.
- Era bonita? Jovem? Como era? - Magda chuta a sacola. Tomates rolam em toda direção. Uma lata de leite em pó acerta o muro num estalo metálico, a tampa da mesma baila brilhante até morrer no canto do muro.
- Calma amiga – pede Marisa, assustada com o descontrole da colega.
- Como calma?! - Magda leva os braços aos céus. - Esse desgraçado vai ver só uma coisa – bufa – ah vai, há se vai.

Antes de partir, Magda chuta mais uma vez o saco de compras, fazendo o repolho voar por um breve instante até pousar em pedaços na calçada de Dona Branquinha. A dona(2) da calçada se assusta, para de varrer e entra em casa. Magda sai falando sozinha, esbravejando para os quatro cantos que Carlão vai pagar. Marisa, atônita, se cala e engole seco a reação da amiga, melhor, ex-amiga. Afinal, para um bom espremedor, meia laranja basta. Já Carlão(3), quando chegou em casa foi informado que não era mais casado. Ele nunca soube o motivo.

1 - Roberto Carlos, desculpe.
2 - A calçada, que por ser pública não tem dono, tem Dona Branquinha como dona.
3 - Marido, melhor, ex-marido de Marisa.