5 de fev. de 2010

No epitáfio de Marcel e Nadja

Marcel e Nadja. Um de um, o outro, de outro. Na casa deles era assim. Um pra cada lado. Uma coexistência quase sempre pacífica, quase nunca amorosa. Água e óleo. Era primitivo, como parasitas. Viviam até quando der. Só para estarem vivos. Respirar era mais importante do que viver. Assim Marcel e Nadja viviam. E nesta vida, viviam, viam e não aprendiam. Cediam, sentiam e sofriam. Vida de parasita. Parados, intercalando sonhos perdidos, pesados e inópios. Aprendendo a respirar o ar que sobrava do passado, intoxicante e doentio. Eram duas vidas, um lugar. Dois mundos, um lugar. Dois estranhos, um lugar. E viviam como quem nasceu para morrer. Apenas a geografia os unia. Um pacto macabro de vida. Um finge que o outro não finge e vice-versa, às pressas, as avessas. As vezes brigas, as vezes pena, sempre dor. As vezes um pouco de vida, que sumia no primeiro sopro de realidade.
Até que um morreu. Mas já não dava mais tempo o outro ser feliz. E morreu em um deles a vida do outro. Jaz, o que tanto faz, o que tanto fez. Os dois jaziam há tempos. Já não tinham mais vida. Apenas sonhos pequenos que desceram pelo ralo. No lugar de Marcel morreu Nadja, e no lugar de Nadja faleceu Marcel. Ninguém viveu, foi uma vida morta compartilhada. Amarga. Sem somas, só amostras ralas e várias divisões. E no buraco, como o ralo dos sonhos pequenos, acabou-se uma vida a dois que ninguém vai lembrar, pois nunca existiu. No epitáfio de Marcel e Nadja, Nadja e Marcel escreveram. E até que a morte os separem, morreram separados. Só a morte os juntou. No mesmo buraco dos sonhos pequenos, em tempos ligeiramente diferentes, mas na mesma porção de terra fétida, decrépita onde agora permanecem juntos e calados, como sempre foi. Agora, uma coexistência que só servirá aos parasitas, vermes e vegetação de cemitério. Para todo o sempre.